RELATOS SELVAGENS: QUANDO A FÚRIA CRUZA O CAMINHO DE PESSOAS COMUNS
Talvez não exista algo tão humano quanto a ira. Ainda que a sociedade como um todo tenha evoluído em quesito de civilização, principalmente quando o assunto é a aplicação da ciência ou mesmo o modo de conduzir a vida nos grandes centros urbanos - fruto da globalização - a verdade é que nas entranhas de cada um, a fúria é um sentimento comum e uma vez despido de qualquer pudor, pode causar verdadeiros estragos. Apesar de soar cruel, essa constatação é a que comanda o mordaz Relatos Selvagens de 2014.
O longa narra a vida corriqueira em histórias independentes, que se interligam apenas por tratarem do mesmo tema: a bestialidade. As seis narrativas são sequencialmente "Pasternak" , "Las Ratas", "El más fuerte" , "Bombita", "La Propuesta" e "Hasta que la muerte nos separe".
MAS POR QUE É BOM?
Com uma pitada de Um dia de fúria (1993) e até um leve flerte com o sarcasmo de Nelson Rodrigues á la "A vida como ela é", o longa argentino não perde tempo para escancarar que toda a moral aplicada a sociedade, talvez não tenha nada de genuína quando um instinto tão primitivo toma conta de nós. Utilizando de uma veia cínica, a grande sacada de Relatos é justamente a sua maneira de mostrar a realidade da forma mais - paradoxalmente - lúdica e crua possível, misturando eventos comuns como uma viagem de avião, uma ida ao departamento de trânsito ou um casamento, e o extremo que a fúria conseguiria extrair de alguém nestas situações.
A atuação de todo o elenco é primordial, com um tom propositalmente exagerado mas suficientemente ordinário para que o público se identifique com pelo menos um dos contos. Além dos bons costumes, sobra escárnio para a burocracia urbana e ainda, para a corrupção e a desigualdade social, de maneira sutil. Trata da violência mas não a banaliza, colocando-a como a verdadeira protagonista e os demais atores, meros coadjuvantes.
Em tempos como os que estamos vivendo, Relatos Selvagens vem como uma via de mão dupla; diverte por seu humor ácido e faz refletir sobre hipocrisia da moralidade intocada e santificada que não passa de aparência quando o assunto é perder as estribeiras, mostrando inclusive o quanto a tolerância e a paciência são virtudes que por mais verbalizadas que sejam, acabam faltando às pessoas, e principalmente, sobre como um ímpeto violento pode ser tão forte e tão fútil ao mesmo tempo, capaz de alterar vidas num piscar de olhos.
Nota: 🌟🌟🌟🌟🌟
REFERÊNCIAS:
• https://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/cinema/2014-10-22/5-motivos-para-ver-relatos-selvagens.html
• Todas as imagens e gifs deste texto foram retirados do Pinterest.


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