Certas situações na vida são tão únicas, que não há outro jeito: você apenas compreende a dimensão quando passa por elas. Com o luto, posso dizer que foi exatamente assim para mim. Desde que perdi meu pai há cerca de três meses, minha vida ganhou outro panorama. Tornou-se mais cinza, solitária e difícil em diversos aspectos.
Após passar pela dor inicial que parece que vai te roubar o seu chão e todo o oxigênio disponível nos seus pulmões, comecei a ir atrás de qualquer coisa significativa sobre o luto. Artigos, livros, filmes, qualquer coisa que me ajudasse a compreender que tipo de dor é essa vinda de uma perda, capaz de nos rasgar no meio.
Foi então que em algum momento dentro deste período me deparei com um livro lançado bem recentemente, e o qual o título me chamou a atenção quase de imediato, por parecer a leitura certa, na hora que mais preciso: Tudo bem não estar tudo bem.
Talvez não tenha sido o título (um pouco clichê) que mais me chamou a atenção, mas sim a frase que vinha depois dele, na capa: “Vivendo o luto e a perda em um mundo que não aceita sofrimento”. Não tive dúvidas, comprei o livro.
Iniciei então a primeira leitura de 2022, após tanto tempo sem sequer conseguir me concentrar em qualquer coisa que fosse, procurando não uma solução, mas pelo menos uma resposta a essa dor tão insuportável que o luto causa.
E dizer que fiquei surpresa positivamente com o rumo que a leitura tomou seria redundância, já que muito mais do que confortar, a autora Megan Devine oferece uma verdadeira validação do luto, não somente para o leitor, mas para todos que estejam ou estiveram enlutados em algum momento, além de explicitar de um jeito que somente uma terapeuta conseguiria fazer, o quanto nosso senso comum de luto e dor é distorcido e problemático.
Confira a seguir, 6 coisas que aprendi com Tudo bem não estar tudo bem, e que você precisa levar para a sua vida:
O luto não é um problema a ser consertado
Essa frase pode muito bem ser o lema que permeia todo o livro, já que é a mensagem principal que a autora defende: o luto não é um problema.
Vivemos em meio a uma mentalidade tão bem treinada para negar a dor, que em algum grau tentamos abafar o sofrimento ao nos depararmos com ele, sobretudo após a morte de alguém.
A grande questão é que ao contrário do que somos ensinados quase a vida inteira, sentir a dor da perda não é um problema a ser consertado e sim, uma reação natural frente a uma situação irremediavelmente difícil, e que por isso mesmo, não deve ser calada, desdenhada ou ignorada.
Não existe compensação
Você já deve ter ouvido falar de termos como “ditadura da felicidade” ou “positividade tóxica”, bastante difundidos nos últimos anos, graças às redes sociais.
Pois saiba que esse comportamento da negação da realidade é muito mais profundo, e inclui em muitas camadas, a nossa resposta ao luto, ou melhor, como a sociedade espera que reagimos a ele.
De uma maneira muito sagaz e sincera até a última instância, Megan demonstra o quanto essa tentativa de “enxergar o lado bom” até mesmo na morte de uma pessoa querida ou em circunstâncias extremamente trágicas da vida, invés de ajudar, cria uma falsa perspectiva que o sofrimento é o único caminho para um crescimento, recompensa ou redenção, quando na realidade, não existe compensação entre essa perda e qualquer conquista ou coisa boa que venha a acontecer no futuro.
O luto, como bem lembra Megan, é cruel e devastador, e ao contrário do que a positividade tóxica e as frases motivacionais tentam empurrar goela abaixo, não representa qualquer garantia de um “final feliz” compensatório.
Nossa cultura do luto é (muito) defeituosa
Pontuando quase todos os aspectos acerca da cultura ocidental, a autora mais uma vez expõe como nosso posicionamento é extremamente defeituoso ao não dar qualquer espaço para o luto existir como deve ser, invés disso, ele é renegado, já que a dor de acordo com esse pensamento é uma “emoção negativa”.
Passando pelo tratamento que recebemos pós-perda de pessoas próximas, até a forma como a mídia, o senso comum geral e até ideias pseudo espirituais e místicas já bastante difundidas rotulam a dor contínua como o indício de algo “errado”, nos vemos reféns de um mundo que não dá qualquer margem para a tristeza e invés disso, a sufoca.
Tudo isso leva a uma epidemia de sofrimento silenciado, gerada pelo analfabetismo emocional e a tão cruel cultura da culpa, fazendo com que as pessoas enlutadas que tanto precisam de apoio e amor, sintam-se julgadas, injustiçadas e o pior de tudo, descartadas, sem qualquer chance de falar e serem ouvidas.
E o que deveria ser uma oportunidade de conexão com alguém ferido, torna-se um tribunal silencioso e cruel, onde dores e problemas possuem prazo de validade para durarem.
Por mais crua que seja, não há outro remédio para a dor senão senti-la, uma vez que negar uma emoção representa apenas a receita para mais sofrimento e frustração, e aceitar que temos muito menos controle sobre as coisas do que pensamos ter, é o melhor caminho, mesmo que mais difícil.
Como Devine bem mesmo explica, a mudança que precisa-se ter para que a cultura do luto seja diferente e justa, é na estrutura social e midiática como um todo, de maneira que falar abertamente sobre o sofrimento, a dor e as perdas seja tão possível quanto falar da alegria, das conquistas e jornadas do herói, sem recriminações nem enfeites, apenas representando a fragilidade da vida como ela realmente é.
A arte pode ser uma grande aliada
Escrever, desenhar, fazer colagens…nada disso é capaz de curar ou remediar uma perda tão terrível, mas como qualquer outra emoção, a dor precisa ser posta para fora, e em uma sociedade em que o luto é calado e ignorado de tantas maneiras, ainda que inconscientemente, expressar seus sentimentos em um momento de tristeza através da arte, sem compromisso nem pressão, pode ajudar a aliviar o sofrimento.
O amor é a única coisa que permanece
Por fim, mas não menos importante, Tudo bem não estar tudo bem finaliza mostrando que o luto é o amor em sua forma mais selvagem, e se tem algo de bom que possa permanecer depois da morte, é esse mesmo amor, tanto por nós mesmos para que possamos sobreviver dia após dia nessa nova realidade sem aqueles que amamos, quanto pelas pessoas que estão ao nosso redor e nos oferecem real apoio.
No fim, o amor é a única coisa que permanece.
Em resumo, Tudo bem não estar tudo bem é um desses livros que nunca estamos preparados para ler, mas que no final, valem cada segundo de leitura, pois realmente saímos dele transformados e com outra visão de mundo, ainda que sobre um tema tão afiado, e nos sentindo amparados de verdade.
Nota: 🌟🌟🌟🌟🌟 + 💜
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