Se tem algo que parece extremamente difícil de retratar no cinema com alguma verossimilhança, sem dúvidas é a imagem do adolescente. Na maioria das vezes, os personagens que vemos na tela são tão imaturos que se tornam bobos, previsíveis e sem uma gota de profundidade. Não que aos 16 ou 17 anos sejamos a imagem de um filósofo grego, porém vários diretores erram a mão na hora de retratar os dilemas dessa época.
Além de John Hughes - que, aliás, sou suspeita para falar dele - poucos conseguem conversar com uma geração, e mostrá-la como ela realmente é. E a estreante mexicana Maria Torres consegue fazer isso com destreza em Com Amor, Anônima (2021), comédia romântica adolescente da Netflix.
Relações virtuais e a Geração Z: um dilema à parte
A começar pela escolha de narrativa, o ponto de partida são situações do cotidiano, mais precisamente, uma troca de mensagens que ocorre por engano.
Na história, a jovem Valeria (Annie Cabello) está a poucos meses do fim do ensino médio, quando começa a receber mensagens de um estranho, tentando puxar assunto com ela. Esse estranho, no caso, é Alex (Ralf), estudante novato em sua escola, visto como nerd e excluído. Pouco a pouco os dois começam a conversar e a estreitar os laços, tornando-se amigos virtuais, porém sem jamais revelarem seus verdadeiros nomes um para o outro.
O problema é que Valeria e Alex já se conhecem na vida real, e a relação entre os dois fora do celular é tudo menos pacífica. E para piorar, os dois acabam indo parar na detenção, onde precisam aprender a trabalhar juntos, sem saber que um é o "anônimo preferido" do outro.
Julgando pela premissa da sinopse, o filme se vende como mais do mesmo, uma comédia romântica adolescente ao estilo cão e gato, como já estamos cansados de assistir por aí.
No entanto, para quem resolve dar uma chance, Com amor, Anônima se mostra como uma grata surpresa. Nem tanto pelo clichê principal, mas sim pela forma leve e até engraçada como o filme retrata a forma como a geração Z se relaciona dentro e fora das telas, e suas dores com relação à vida adulta.
O que começa como uma primeira impressão ruim (já que de cara, os protagonistas não se gostam), evolui lentamente para uma relação mais amistosa, e de enemies, os dois se tornam amigos, para só então - talvez - desaguar em uma relação amorosa.
Outro ponto positivo é a maneira como os dilemas dessa faixa etária são retratados, sem torná-la madura nem tola demais. Tanto Valeria quanto Alex são inteligentes, criativos e um pouco imaturos, principalmente quando se trata de resolver conflitos, o que é absolutamente normal, visto a idade dos personagens.
Mas ao contrário do que se espera deste tipo de filme, o foco da trama não está no dilema amoroso (afinal, Valeria vai se apaixonar por Alex ou pelo Anônimo que ela conhece somente por mensagens?), mas sim no amadurecimento pessoal desses personagens com relação a escolha de carreira.
E não é como se esse dilema não fosse retratado frequentemente por outras comédias adolescentes - Hughes, como já citei, por exemplo, fez isso várias vezes em seus filmes - mas a questão é a maneira equilibrada como a diretora consegue tratar dos protagonistas, sem que eles se tornem unidimensionais.
Afinal, quando se é jovem a vida não se resume somente em namorar, mas também em fazer vestibular, entender o que se quer ser a partir do ensino médio, fora as muitas dúvidas que circulam em nossa cabeça. Em outras palavras: não é uma abordagem superficial, e ainda bem!
Enquanto Valeria se agarra ao sonho de estudar cinema e tenta convencer os pais de que é isso que ela deseja para a sua vida, Alex encontra-se dividido entre seguir o que seu falecido pai queria para ele, e o que ele realmente espera ser quando adulto. Dilemas que certamente todos nós já passamos nessa idade ou em pelo menos algum momento da vida.
Ainda sobra espaço para retratar como o público-alvo (novamente, a geração Z!) aparentemente possui tanta facilidade para se relacionar por meio da internet, mas em contrapartida, tem dificuldades para estabelecer vínculos na "vida real" de forma que sejam duradouros, e quando o são, como mantê-los de verdade?
O filme ainda traz representatividade e diversidade, com a presença de personagens LGBTQIA+ que têm espaço e tempo de tela suficientes para cativar o público e não são estereótipos ambulantes, e claro, o próprio fato do filme ser de origem mexicana e sua língua original ser o espanhol (ao contrário da maioria dos produtos Netflix deste gênero, que são norte-americanos).
Todo o elenco é bem escalado, mas o destaque fica literalmente para os protagonistas. Annie Cabello e Ralf (que aliás é tik toker, tem como ser mais geração Z do que isso?) defendem seus personagens de maneira operante, e passam veracidade em cena, com uma química fofa e ao mesmo tempo realista, e funcionam tanto individualmente, quanto como casal.
Resumidamente, Com Amor, Anônima é um filme muito gostosinho de se assistir, e que consegue conversar tranquilamente com a geração a qual é destinado.
Nota: 







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